Muitos são os questionamentos da comunidade sobre as mortes em decorrência da covid-19. No Hospital Regional São Paulo (HRSP), até às 10 horas desta terça-feira (23), 17 pessoas haviam morrido em decorrência de complicações ocasionadas pelo SARS-CoV-2 e um óbito suspeito ainda aguarda confirmação.

As dúvidas normalmente se referem aos pacientes já terem outras doenças pré-existentes, por isso, conversamos com o diretor técnico do hospital, DR. Mário Augusto Marques (CRM/SC 7544), para esclarecer um pouco mais sobre o assunto.
 
Muitas pessoas argumentam, especialmente nas mídias sociais, que as mortes confirmadas da covid-19 ocorreram em razão de outras comorbidades e questionam os números, muitas vezes até duvidando do diagnóstico. Como o senhor vê essa questão?

Dr. Mário: Todo paciente com doenças crônicas prévias tem risco mais elevado de morte, em comparação com pessoas sem doenças crônicas, independentemente do motivo da doença que levou aos fatos que desencadearam seu óbito. No entanto, no contexto da covid-19, algo descompensou essa comorbidade, levando ao óbito.

Costumo frizar sempre que me questionam que o que levou ao óbito, nos casos confirmados da covid-19 que já tinham doenças pré-existentes, foi a Pneumonia e a Insuficiência Respiratória, decorrentes de infecção pela covid-19. Isso pelo fato de que os idosos com diabetes, obesidades, etc, tiveram seus quadros agravados em função da infecção ocasionada pelo coronavírus, e esta é a causa base que os levou ao óbito.

Vou exemplificar: quando alguém morre de infarto, muitas vezes essa pessoa já era hipertenso, diabético, obeso ou idoso, porém ninguém questiona o diagnóstico de Infarto ou fica em dúvida se o paciente teria morrido se não tivesse as comorbidades associadas. Essa é a questão! Não podemos justificar os óbitos causados pela covid-19 apenas pelas doenças pré-existentes do paciente, elas pioram o prognóstico e aumentam o risco de óbito, sim, mas a pessoa talvez não tivesse morrido, se não tivesse tido a pneumonia ocasionada pelo SARS-CoV-2.

Qual é a principal doença associada aos óbitos pelo covid-19 que ocorreram no HRSP?

Dr. Mário: Temos observado no hospital que a obesidade é a principal doença associada aos nossos pacientes com a covid-19. Ela é uma doença crônica, que está associada ao risco de desenvolvimento de várias outras enfermidades, como diabetes, hipertensão e problemas cardiovasculares, piorando essas doenças. Numa infecção qualquer, inclusive no caso da infecção ao coronavírus, mesmo que o indivíduo não seja considerado idoso, a situação pode se agravar. 

De que forma a obesidade agrava a situação em um caso de infecção pelo SARS-CoV-2?

Dr. Mário: Bom, o excesso de peso está relacionado à apneia obstrutiva do sono e hipoventilação do paciente obeso, portanto com pior reserva ventilatória e maior fragilidade. O acúmulo de gordura visceral [acomodada junto aos órgãos] promove o aumento da produção de um hormônio chamado leptina, que tem efeito inflamatório, e ao mesmo tempo a diminuição de outro hormônimo: a adiponectina, que tem efeito anti-inflamatório. Consequentemente, o que temos é aumento das citocinas, piorando ainda mais a resposta do organismo à infecção do SARS-CoV-2.

Além disso, o excesso de adipócitos também gera um ambiente protrombótico, com maior hipóxia celular e apoptose, promovendo a liberação de ácidos graxos na circulação, levando também a uma resposta inflamatória e ativação de vários mecanismos que comprometem a imunidade dos pacientes.

Os adipócitos sintetizam ECA2, sendo assim, quanto mais obeso, maior número de adipócitos e maior liberação de ECA2, a expressão desta enzima é um dos mecanismos que favorecem a infecção pelo coronavírus.

Por fim, podemos citar que obesos têm maior deficiência de vitamina D e esta vitamina está relacionada com a função imunológica.

E quanto às demais doenças como diabetes, hipertensão e doenças respiratórias? E o caso dos idosos?

Dr. Mário: Os idosos estão mais suscetíveis às complicações do Sars-Cov-2 por causa de alterações no sistema imunológico naturais da idade. No caso dos males cardíacos, a circulação prejudicada e a debilidade dos pulmões parecem favorecer a agressividade da infecção.

Já o diabetes, é um fator de risco para o agravamento de diversas infecções. Isso porque prejudica as defesas do organismo contra vírus, bactérias e afins.  E para as doenças que atacam os pulmões, como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), a relação é clara, pois são transtornos que já atrapalham a respiração.

Para fecharmos a nossa entrevista, que orientações o senhor julga ser importantes para repassarmos à população?

Dr. Mário: Recomendamos a todos, não apenas aos pacientes dos grupos de risco, manter a higienização frequente das mãos com água e sabão ou álcool em gel 70%; a utilização de máscaras protetoras quando necessário sair de casa e evitar colocar as mãos no rosto; respeitar o distanciamento social; e garantir uma boa alimentação e hidratação para manter a imunidade.

A única diferença, para os pacientes que possuem outras doenças, é que eles devem seguir à risca o tratamento médico proposto para estabilizar a doença crônica.